terça-feira, 30 de junho de 2009

Visitando WA Mozart...

Em pleno centro da cidade de Salzburg, na Getreidegasse, fica a casa onde, em 1756, nasceu Wolfgang Amadeus Mozart. Esta casa-museu (http://www.mozarteum.at/) faz parte da impressão de que há uma presença constante do compositor nas mais variadas expressões da vida urbana de Salzburg, desde o chocolate até à música nas casas de banho públicas. Sendo assim, havia que visitar a casa onde tudo começou.

Depois de efectuar a visita, confesso que fiquei com um sabor a pouco... mas, fiquei a saber que o nome 'oficial' do prodígio era qualquer coisa como Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilius Mozart (!), vi o seu primeiro violino e o berço onde foi colocado depois da sua mãe, Anna Maria, o ter posto no mundo. Fiquei contente...

Puccini, Verdi, Mozart, calças de ganga...

A música foi sempre, e continua a ser, a arte que mais de perto me acompanha. Não é de estranhar. Cresci (literalmente) a ouvir as obras de Puccini, Verdi, Leoncavallo, Mascagni, etc., através de vozes como a de Gigli, Tebaldi, Berganza ou Callas, de Mozart, Grieg, Dvorak, Liszt, Beethoven, Bach, etc., através de abordagens inspiradas de von Karajan, Itzhak Perlman, Mstislav Rostropovich, etc.. Tive o privilégio, ainda criança, de assistir a grandes produções de música clássica (designadamente ópera). Nestas ocasiões, o fascínio sentido por um 'puto' da minha idade extravasava a música e estendia-se à 'ambiência' de grande solenidade que parecia rodear todo o espectáculo. Gente muito séria, cheia de 'boas maneiras' nos seus 'fatos de grilo' (eles) e nos seus vistosos vestidos compridos (elas). O S. Carlos, em Lisboa, era naturalmente, o paradigma desta 'ambiência' fascinante.
Cresci e, apesar de ter continuado a gostar da música, comecei a perder o tal fascínio, talvez porque fui constatando que aquilo que motivava a ida ao teatro de muita da tal gente séria se relacionava muito mais com o mostrar-se numa espécie de 'feira das vaidades' do que com a 'arte de combinar os sons' propriamente dita. Será que para ouvir o 'Vissi d'arte' (já agora http://www.youtube.com/watch?v=_OIExoUb8jk) implica vestir um 'smoking' e substituir as calças de ganga por uma daquelas da listinha brilhante? À dose (suportável) de elitismo cultural, juntava-se uma (insuportável) dose daquilo que pode designar-se por- perdoem-me o termo - 'cagança' social. O que tem isto a ver com o tema deste blog? A resposta leva-nos até à cidade de Salzburg.
Cheguei àquela cidade austríaca de madrugada. Ainda na estação, vi um grande cartaz que me permitiu constatar que estava a decorrer o célebre Festival de Música de Salzburg (http://www.salzburgerfestspiele.at/), um evento que eu já sabia ser ponto de encontro de nomes maiores do panorama mundial da música clássica. Não admira. 'Respira-se' música nas ruas da cidade. São os muitos estudantes de música que, com os seus violinos, guitarras, tubas, violoncelos, etc., animam os becos, as praças, as avenidas; é a música-ambiente que se ouve nas esplanadas dos inúmeros cafés existentes no centro (não é que me tenha sentado nalguma delas, tal a quantidade de Schillings que era preciso desembolsar...) e a que ajuda os visitantes da casa onde nasceu o génio WA Mozart a passar o tempo na interminável bicha; é a Sinfonia nº 41 de Mozart a 'abrilhantar' os momentos passados em qualquer casa de banho pública...
Consegui a brochura com o programa completo do Festival. Entre os muitos eventos musicais que enchiam o mês de Agosto, chamou-me a atenção uma série de concertos destinados a jovens. Fui até à Felsenretisschule, um magnífico edifício construído na pedreira de onde saíram as pedras que serviram para erguer a catedral e que, depois de ter servido de escola de equitação, foi transformado em teatro (nos anos 20). Preços reduzidos, espectáculo fabuloso... e milhares de calças de ganga a encher o espaço!
É importante referir que em Portugal, na altura, as oportunidades para as 'calças de ganga' entrarem em contacto com as confortáveis cadeiras de qualquer teatro onde tivessem lugar eventos de música clássica eram praticamente inexistentes. Hoje, felizmente, este estado de coisas mudou e estamos finalmente a aproximarmo-nos daquilo que acontecia em Salzburg há 30 anos atrás. Mais vale tarde do que nunca...

sábado, 13 de junho de 2009

Sem 'cobertura'...

Nos anos 70/80 o passe Interrail cobria uma vintena de países, um dos quais fora da Europa (Marrocos). Para lá da 'cortina de ferro', o passe apenas era válido na Hungria, Roménia e Jugoslávia. Mesmo nestes três países, os 'suplementos' que os 'interrailers' tinham de pagar eram muitos. Na imagem, exemplares dos bilhetes referentes a uma série de viagens na então Checoslováquia (Cheb-Praha; Praha-Jihlava, Brno-Komarom) e aos suplementos pagos em vários trajectos da Roménia (Bistrita-Nasaud, Cluj-Bistrita, Bucuresti-Costinesti, etc.).
Importa referir que a obrigatoriedade de comprar bilhete deu azo à experiência curiosa de pedir boleia em países sem tradição neste 'modo de transporte'. Na Checoslováquia, por exemplo, deixar Tabór rumo a uma qualquer outra cidade checa (desde que situada a Sul...) à boleia revelou-se uma impossibilidade. Alguém daria boleia a um 'extraterrestre' especado numa qualquer estrada secundária da Checoslováquia profunda? 'Extraterreste', porque foi exactamente como um qualquer 'invasor' de um planeta estranho que eu me senti à saída de Tabor. Gorada a tentativa, lá foram calcorreados mais 4 km até à estação de caminho de ferro mais próxima...

Nikos...

Sem me esforçar muito, consigo contar pelo menos cinco amigos gregos cujo primeiro nome é Nikos. Há, no entanto, um sexto Nikos que, apesar de nunca mais o ter visto nem contactado e de nem sequer me lembrar do seu apelido, tem um lugar relevante no meu 'saco' de memórias. Apesar da sua má qualidade, a foto mostra o tal Nikos, com o seu fio de ouro que trazia pendente uma estranha miniatura de um ícone ortodoxo e com o seu altivo bigode, típico do macho helénico. Na mesa, as 'silhuetas' de várias garrafas de... retsina. À volta da mesa, para além do Nikos, um grupo de portugueses que se foram encontrando ao longo do caminho 'Interrailiano'. Na 'moldura' virtual da foto, uma taverna, a localidade de Gavrion e a ilha de Andros.
Como decerto o leitor já desconfiou, as garrafas de retsina são a chave para que se faça luz para a manutenção deste Nikos do bigode helénico no tal 'saco'. Já lá vamos... Antes, deixem-me dizer que a retsina é um vinho que, segundo reza a história, é feito há mais de 2000 anos. A mesma história diz-nos que na origem da retsina está a 'tecnologia' usada pelos gregos antigos para evitar que o oxigénio do ar estragasse o vinho depositado em barris de madeira. As propriedades isolantes da resina do pinheiro eram, pelos vistos, as ideais para salvaguardar o vinho dos efeitos do contacto com o ar. A aplicação de resina nos barris acabaria por afectar o sabor do vinho. O sabor alterado do vinho deve ter agradado aos gregos antigos e o vinho resinado acabaria por se afirmar, continuando hoje a ser uma 'atracção' da Grécia moderna.
Numa ilha que estava (ainda está, diga-se) longe de fazer parte dos circuitos turísticos mais concorridos da Grécia, um grupo de seis portugueses suscitou o interesse e curiosidade de muitos habitantes locais. Na taverna onde os seis portugueses entraram para comprar água (!), fomos abordados pelo Nikos de Gavrion. Num grego salpicado por algumas palavras alemãs (por exemplo, sitzen e trinken), lá se foi fazendo entender. Estava a convidar-nos para partilhar com ele uma mesa. Aceitámos (claro!) o convite. Num ápice, a mesa encheu-se de garrafas dominadas pelo amarelo, do rótulo ao líquido. Depois dos primeiros Gia sou! (o 'à saúde' lá do sítio), provámos pela primeira vez a célebre retsina. Confesso que a primeira reacção não foi a mais favorável. A pergunta feita pelo Pedro de Odivelas, - 'o que é esta merda?' - é uma boa ilustração de tal reacção. Porém, se por um lado não queríamos parecer mal educados para com o nosso anfitrião, por outro, à medida que íamos esvaziando as garrafas que não paravam de chegar à nossa mesa, íamos alterando a opinião inicial sobre a 'coisa'.
Bebemos muito... mesmo muito. O Nikos de Gavrion pagou tudo e, já noite avançada, deixou-nos. Foi a última vez que o vi. Regressámos ao nosso 'hotel' na praia. A manhã seguinte foi terrível... a secura, a intensidade do sabor a resina que se mantinha na boca... uma ressaca 'grandiosa'. Tão grandiosa que dificilmente conseguiria esquecer o Nikos de Gavrion e a sua grande simpatia.