segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Expresso da Meia Noite...

Lembram-se do 'Expresso da Meia Noite'? Título de um filme de 1978 que, pela mão do realizador Alan Parker, deu a conhecer ao mundo a história verídica de Billy Hayes, um americano que, em 1970, foi preso na Turquia quando tentava deixar aquele País com cerca de 2kg de haxixe colados ao seu corpo. Condenado a 30 anos de prisão, Hayes fugiu em 1975, depois de matar um guarda e vestir o seu uniforme (segundo o filme), ou a nado num rio (segundo o próprio). Em comum ao filme e ao relato do próprio Hayes, os horrores vividos na prisão de Sagmalcilar durante cinco anos.
"E se fosse na Turquia?". Influenciado pelo filme, que tinha visto no Teatro Gil Vicente em Coimbra uns meses antes, fiz esta pergunta a mim próprio várias vezes durante o trajecto que percorri, sob prisão, e por isso acompanhado por três agentes, entre a principal gare ferroviária do Luxemburgo e o 'Commissariat de Proximité Gare-Hollerich', a esquadra de polícia mais próxima.

Antes que pensem que, à semelhança de Hayes, estava a tentar contrabandear qualquer substância ilícita, deixem-me dizer que os meus 'crimes' foram muito simplesmente i) estar a dormir no interior da estação com esta já fechada ao público, ii) ter estendido o meu saco-cama a poucos metros de um 'junkie' francês, iii) ter passado por Amesterdão antes de chegar ao Luxemburgo e iv) não ter dinheiro 'para sobreviver', utilizando as palavras de um dos três agentes da polícia (já nos últimos dias desta edição interrailiana, o 'erário' limitava-se a três moedas de 2$50...).

Chegado à esquadra, fui enfiado com a minha Karrimor vermelha e o tal 'junkie' francês numa espécie de gaiola onde já se encontravam uma senhora completamente alcoolizada e um indivíduo com bom aspecto que, como descobri mais tarde, foi detido por roubar um automóvel. Umas boas horas depois, fui conduzido a uma pequena sala e interrogado por um agente que não demorou muito tempo a perceber que, na ausência de legislação que tornasse ilegal o 'ar', digamos, 'desleixado', de quem anda há umas semanas a dormir em estações e em escadas de serviço de hotéis de luxo, não havia outros motivos para me reter na esquadra. "Podes ir embora!", disse-me, peremptório. Já esquecido da questão 'E se fosse na Turquia?', uma outra assolou de imediato a minha mente: 'Ir embora para onde?'. Eram 4 da manhã. Entre dormir num qualquer recanto ajardinado da cidade ou à porta da estação onde fora preso, preferia ficar na esquadra. Sensível aos argumentos que apresentei, o polícia satisfez a minha pretensão e autorizou a minha permanência na 'prisão'. Dormi três horas num cadeirão que, quando comparado com o frio e duro cimento das estações de caminho de ferro, poderia ser considerado como a melhor cama do mundo. Mais, os mesmos polícias que me prenderam trouxeram-me uma chávena de café e um prato com dois croissants! Ouro sobre azul...