Parece-me que não estarei a cometer um grande erro se disser que o nome Sheraton só muito raramente se cruza com a experiência 'interrailiana'. O 'raramente', se o contexto temporal fossem as décadas de 70 ou 80, deveria dar lugar ao 'nunca'. Nos nossos dias, há evidências de um modus operandi mais 'requintado' no que toca à escolha dos sítios para passar a noite (ou não houvesse verdadeiras pechinchas na Internet), afigurando-se-me necessária a cautela expressa pelo 'raramente'.
Nunca? Não! Eu dormi num hotel da cadeia Sheraton na década de 70!
Aqui fica a história. Era a minha primeira visita a Bruxelas, capital da Bélgica e, na altura, de uma diminuta CEE que, para além dos seis países fundadores (Alemanha, Itália, Luxemburgo, Bélgica, França e Holanda), reunia ainda o Reino Unido, a Dinamarca e a Irlanda (entraram em 1973). Cheguei perto das 23 horas a Bruxelas-Norte (vindo de Roterdão). As imediações desta gare reuniam os ingredientes que permitem qualificar um pedaço de cidade como sendo pouco recomendável... uma espécie de 'red lights district', mas ao estilo de Bruxelas, não tendo nada a ver com a natureza 'familiar' e 'acolhedora' do bairro congénere de Amesterdão. Bares manhosos, transeuntes que pareciam saídos de qualquer manhoso filme de classe B, personagens encostadas à parede que iam tentando impressionar o 'mercado', algumas protegidas por pastores alemães com ar ameaçador, etc.. Resumindo, uma 'travessia' pouco agradável, mas obrigatória para chegar ao 'ponto de encontro' dos backpackers, que eu sabia de antemão ficar na Grand Place.
Eis que, no final da Rua do Progresso (o nome da via que liga a Gare do Norte ao centro... um nome curioso, dada a natureza dos negócios que nela evoluiam), deparei-me com uma praça cujo 'ambiente urbano', não obstante a proximidade à rua atrás referida, era apelativo para quem andava à procura de um local para passar a noite depois de mais uma dura jornada (a noite passada em Roterdão não foi das melhores...). Era a Praça Rogier. Num dos lados da praça, uma pequena reentrância dava acesso a umas (recatadas) escadas de serviço de um grande e moderno edifício que, de imediato, identifiquei como lugar 'confortável' para estender o saco-cama. Assim fiz. Dormi que nem uma pedra, até ser acordado pelos primeiros 'acordes' matinais do intenso tráfego motorizado e não motorizado próprio do acordar de uma grande urbe. Arrumei apressadamente a minha Karrimor, e iniciei a minha primeira visita à cidade Bruxelas. Quando saí da tal reentrância constatei que o grande e moderno edifício era nem mais nem menos que o Hotel Sheraton... tivesse eu sabido antes e teria decerto usufruido do excelente serviço de quartos!
A história não acaba aqui. Chegado a Águeda umas semanas depois, no meio dos relatos de férias e da visualização dos momentos captados pela Kodak Pocket Instamatic, contei que tinha dormido no Sheraton (mais propriamente numa das escadas de serviço) da Praça Rogier. Fiquei a saber que a minha mãe, que enquanto eu fazia mais um inter-rail, participava numa excursão aos países do Benelux, esteve hospedada no Sheraton exactamente no mesmo dia que eu. Ela num quarto situado num dos andares do hotel, eu nas escadas de serviço...