terça-feira, 28 de agosto de 2012

Svea Corona

Se preso ao seu 'habitat' natural, isto é o caminho-de-ferro, um interrailer chegado a Estocolmo e com Helsinquia como meta, seria obrigado a percorrer um trajecto que, fazendo confiança no Google Maps, seria de 1761 km... Estocolmo-Uppsala-Söderhamn-Sundsvall-Umeå-Luleå-Tornio-Oulu-Viitasaari-Jyväskylä-Lahti-Helsinquia! No 'plano', muito flexível diga-se, da minha primeira incursão a terras nórdicas, em 1979, esta alternativa foi considerada. No entanto, e apesar de ainda estar na ressaca de um chumbo a Análise Matemática IV, as minhas competências de cálculo, mal chegado a Estocolmo, deram azo à percepção de que poupar 1361 km no esforço para atingir Helsínquia poderia ser melhor solução. De facto, em 'voo de pássaro', são cerca de 400 os quilómetros que separam as capitais da Suécia e da Finlândia. Por força da Natureza, mais concretamente do Mar Báltico, e pela impossibilidade de usar a via aérea (um luxo na altura...), a via marítima para Helsínquia emergia como obrigatória para evitar os 1761 km. O barco acabou por prevalecer, não obstante o custo (não me lembro quanto paguei, sendo certo que usufrui do desconto de 50% para os detentores do passe Interrail) . Refira-se, para além das competências de cálculo, o poder de persuasão de duas interrailers finlandesas que conheci na estação de Copenhaga e que comigo fizeram a viagem até Estocolmo, tendo servido de guias na minha primeira visita à capital sueca (uma das coisas que aprendi com elas foi como usar o metro sem pagar!). "A  fantastic trip!"; "It's party time!"; "Valtava!" (formidável em finlandês)... frases e expressões usadas pela Pirjo e pela Marita para caracterizar a travessia do Báltico. Seja! Venham daí as 17 horas de viagem de barco! Uma seca? Confesso que o cheguei a pensar. Não podia estar mais enganado! 
Comprados os bilhetes, dirigi-me com as duas viajantes finlandesas para o cais. Embarcámos no Svea Corona, da companhia Silja Line.
 
O postal ilustrado 'oficial' do Svea Corona
Como não tínhamos camarotes ou qualquer coisa parecida reservada, os decks ao ar livre ofereciam um leque alargado de 'instalações' passíveis de serem utilizadas como 'acampamento', isto é, para encostar a mochila e estender o saco-cama. O recanto escolhido acabou por se revelar estratégico, pois dele podia-se apreciar de forma privilegiada o bulício provocado pela movimentação de centenas e centenas de animados passageiros, iniciada ainda o Svea Corona navegava nas águas do arquipélago de Estocolmo. Questionei as amigas finlandesas sobre as razões de tal animação, pouco condizente, - achava eu na minha ignorância de então - com a perspectiva de passar 17 horas dentro de um barco. Abreviadamente, a explicação dada pela Pirjo e pela Marita assentava no 'tax free' alcoólico que caracterizava a travessia do Báltico. Basicamente, os animados passageiros passavam as 17 horas a consumir litros e litros de bebidas alcoólicas, beneficiando dos preços muito mais baixos (ainda hoje são 'famosas' as altas taxas que os governos nórdicos aplicam sobre o álcool). A banda norte-americana The Rosebuds, nos anos 90, numa canção dedicada à Silja Line (por razões que desconheço...), cantava:

"[...] There's no pirates I can dodge or islands to explore
Just some plain folks who don't mind
The sound of screaming children and drinking too much vodka the line"

Não me lembro de ter ouvido muitas 'screaming children'. Lembro-me bem do 'drinking too much vodka'. Só os 'tesos', incluindo o autor destas linhas, pareciam não aproveitar o tal 'tax free' alcoólico, pois, mesmo com os preços reduzidos, não dispunham de verba nem para uma água mineral. Porém, numa das nossas incursões como 'mirones' nos vastos salões onde se registava o frenesim alcoólico, eu e as minhas companheiras de viagem fomos localizados pelo 'radar' de um casal finlandês, que, apesar da sua já adiantada 'turvação', ainda deu para detectar alguém, que, pelas suas características físicas, saía fora do passageiro habitual da Silja Line. Vodka, coktails (à base de vodka), cerveja... três 'tesos', à custa da simpatia e das markkas de um casal (na casa dos 60...), acabaram por participar activamente nas 'festividades' a bordo do Svea Corona.

... drinking to much vodka.
Como passaram depressa as 17 horas. Uma viagem que dificilmente será esquecida. Vodka à parte, ainda deu para apreciar a fantástica luz do verão nórdico e o movimento ascendente do Sol poucos momentos antes da chegada ao porto de Helsínquia às primeiras horas da manhã. Associados a esta experiência memorável, para além da ressaca no primeiro dia na capital finlandesa, dois nomes que continuam bem frescos na memória: Svea Corona e Silja Line. Confesso que ainda hoje, quando vou para aquelas paragens, sou assaltado por alguma nostalgia. Sinal disso, as fotografias que, ano após ano, vou tirando aos navios da Silja Line ancorados no porto de Helsínquia.


Helsinki, 2006
Helsinki, 2005

Onde está o Svea Corona? Depois de vendido a outras companhias e de ter percorrido outros mares, acabou por ser desmantelado na Turquia em 1994.


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