A língua húngara não despreza as suas profundas raízes nos Montes Urais, manifestando, assim, à semelhança daquilo que ocorre com línguas suas parentes (afastadas apesar da raíz comum), como sejam o finlandês ou o estónio, vocabulário e estrutura muito (mesmo muito) diferentes das restantes línguas europeias. "Nagyon köszönöm" e "a sör jó", respectivamente "muito obrigado" e "a cerveja é boa", eram das pouquíssimas coisas que eu sabia dizer na língua magyar. Desde cedo aprendemos que a eficácia da comunicação verbal implica a existência de (pelo menos) um emissor e um receptor e a partilha de um código básico que, na sua essência, configura uma língua. Sem me atrever a pôr em causa a sabedoria de tais ensinamentos, atrevo-me a questionar o status de condição sine qua non da comunicação verbal que é atribuido à partilha de um código linguístico comum. Contextualizemos...
Os cerca de 180 km que separam Hegyeshalom de Budapeste estavam a ser percorridos vagarosamente pelo comboio da MAV (Magyar Államvasutak, a CP lá do sítio). No meu compartimento, um grupo de idosos húngaros partilhavam comigo algum tédio, tédio que não terá sido alheio ao pontapé de saída para a conversa dado por um dos húngaros. Pretexto? O grande 'sol' de protesto contra a energia nuclear cosido na minha mochila: Atomkraft, nein danke!. "Deustchland?", perguntou, decerto muito mais influenciado pela língua dos escritos do tal 'sol' do que pelas minhas características físicas. "Nein, Portugal!", respondi. Foi este o inesperado mote para uma conversa que durou tanto ou mais do que as pilhas Duracell. Na ausência de partilha do tal código sofisticado, a comunicação encontrou sustento no prosaico mundo do futebol.
-Eusébio!
- Puskas!
- Coluna!
- Béla Guttmann!
- Benfica!
- Ujpest Dozsa!
- Vasas!
- FC Porto!
... etc., etc..
Ofereceram-me uma cerveja. Lá brilhei com o "Nagyon köszönöm" e o "a sör jó"...
Mais recentemente, numa viagem à China, o poder comunicacional do futebol esteve mais uma vez em evidência. Um aluno de arquitectura da Universidade de Shanghai, no seu peculiar inglês, perguntou-me:
- De que país vens?- Portugal.
- ??????.
- Portugal.
-???????.
Desenhei um mapa da Europa num pedaço de toalha de mesa. De Este para Oeste fui apontando a França, a Espanha e, finalmente, o nosso cantinho à beira-mar plantado.
- Ehhhhhhh!!! Figo! Figo! Figo! "Pú táo yá"! "Pú táo yá"!
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